Relatos

Impressões de uma visita a Grota do Surucucu.


No sábado, dia 6 de julho, logo após nosso divertido encontro do Projeto ECOmAGENTE, quando abordamos o tema de jogos colaborativos, combinei com um participante que também é agente de zoonoses de Niterói para nos guiar em uma caminhada pelos quarteirões nos quais é responsável pela prevenção e combate à animais vetores de doenças.

Momento especial pois, apesar de já ter caminhado outras vezes com os moradores e participantes do ECOmAgente, desta vez nossa intenção era de conhecer e registrar os locais de concentração de lixo, observando o ambiente da comunidade com um olhar aberto e tentando entendê-lo como um morador, ou seja, enxergando a realidade cotidiana local, sem a maquiagem imposta pela visita de qualquer autoridade ou representante do poder público.

No inicio da caminhada, quando adentramos por uma escadaria, como um corredor fronteiriço às casas, várias ideias e motivações afloraram: o que nos espera?  O que vamos observar? Jamais faríamos essa caminhada sem um guia, conhecedor dos caminhos, dos moradores e dos cuidados a tomar... De fato uma oportunidade para conhecer e registrar um pouco mais da realidade local.

Ao final da escadaria chegamos no cruzamento da Rua Ronaldo G. Menezes, no exato local onde fica estacionada uma caçamba da CLIN para receber os sacos de lixo produzidos pelos moradores e que encontrava-se vazia, provavelmente porque tinha acabado de ser descarregada. Continuamos a subida pela rua e logo encontramos um vazamento de água potável, talvez de uma tubulação que rompeu por debaixo da rua de concreto, mas que parece indiferente aos vizinhos. Enfim, triste ver qualquer desperdício de água tratada.


Continuando a subida na íngreme rua Ronaldo G. Menezes, ficava imaginando a cena de um morador descendo a rua com seu lixo fétido de casa só para descarregar na caçamba, uma espécie de PEV (Ponto de Entrega Voluntária) do lixo doméstico. Como seria para um casal de idosos? Bom, ao menos estariam se exercitando. Deixando o sarcasmo a parte, logo pensei: por que será que bem perto dali, no nobre bairro de São Francisco, a coleta é realizada de porta a porta? Ah sim, as ruas foram  planejadas e permitem o transito fácil dos caminhões de coleta. Na Grota realmente não seria viável uma coleta de porta a porta com esse sistema, mas... vamos voltar a caminhada.

Adentramos em uma viela de terra batida e perpendicular à rua Ronaldo G. Menezes, a concentração de casas diminui, a viela acaba se transformando em uma trilha e mais parece caminharmos em uma zona rural. Nosso guia mostra uma área de risco, onde algumas casas foram derrubadas pela forte chuva de 2010 e bem próximas a outras que continuam com moradores. Nessa trilha logo sentimos o fresco odor das águas cinzas e negras que desciam por improvisados canais de drenagem, escavados na própria terra para escoar morro abaixo o esgoto que vinha das casas e que estavam no entorno da trilha. Pensamentos afloram... Caramba! Um tratamento bioséptico com ciclo de bananeiras poderia ajudar e ainda envolveria um mutirão com os vizinhos...






Ideias a parte, seguimos a trilha para um local com uma declividade onde encontramos  algumas plantas e arbustos mesclados com pedaços de sacos, potes e garrafas plásticas de diferentes cores e formas que destoam da pequena vegetação.
Enfim, todo esse material mal abandonado se transforma em lixo e atrai mais lixo, além de vetores e acabam se acumulando em uma encosta. O homem sempre querendo se livrar facilmente de algo inútil e sem valor para ele, daí surge o conceito de lixo. Acredito que somente em um mutirão de limpeza conseguiria limpar aquela área, mas que deveria mobilizar e envolver de forma cooperativa os próprios moradores. Desafio? Mais uma vez fico a pensar como seria possível viabilizar uma coleta porta a porta para atender a Grota?...

















 ...Abro um parêntese...Talvez com o auxilio de um tratorzinho rebocando uma caçamba, trabalhando em conjunto com um agente ambiental (bem melhor que o termo gari comunitário) visitando as casas e orientando os moradores a deixar o material (lixo) em um coletor estrategicamente instalado ( exemplo daqueles suportes de ferro para os sacos de lixo e que ficam a um metro do chão, impedindo que sejam arrastados pela água da chuva ou rasgados por animais). Esta pode ser uma sugestão para ser estudada e melhor detalhada.       


No caminho de volta a rua Ronaldo G. Menezes encontramos um grupo de moradores que ficaram curiosos pela nossa caminhada com o guia conhecido deles e logo interagiram querendo conhecer o nosso trabalho. Um deles, noivo de uma das participantes do EcomAgente, já conhecia um pouco do trabalho que fazemos e ficou motivado em colaborar de alguma forma. Junto com outros moradores falaram que gostariam muito de fazer um reflorestamento em algumas áreas da Grota e que estariam dispostos a ajudar. Ainda relataram que fazem parte de um grupo que promove capoeira e outras atividades na comunidade. Convidamos todos a participarem dos encontros que promovemos nas manhãs de sábado no Colégio Duque de Caxias... Novos pensamentos afloram para aumentar a interação... Quem sabe a apresentação da peça “Do inicio ao fim do mundo” ali mesmo, no alto da comunidade?

Continuando a caminhada acompanhamos uma senhora, moradora consciente, levando seu saco de lixo à outra caçamba – “PEV do lixo doméstico”, localizada quase no topo da mesma rua. Essa senhora nos disse que mora sozinha com o marido aposentado; perguntamos o quanto de lixo produzia, respondeu que uma a duas sacolas por dia. Reclamou dos moradores que deixam o lixo fora da caçamba e que as vezes encontra a caçamba transbordando de lixo.


Em um ponto mais acima, encontramos um pequeno terreno baldio com a mesma camuflagem de lixo e vegetação, mas desta vez com duas carcaças de televisores antigos. Talvez algumas respostas para onde terminam aquelas televisões pesadas, com tubo de imagem, que vem amplamente sendo substituídas pelas TVs leves, de LED e Full HD, na maioria das casas. (Algumas destas TVs mal descartadas já foram vistas em ruas, na Praia de São Francisco e inclusive na Baía de Guanabara). 


Seguindo a rua chegamos a um largo e logo imaginamos a possibilidade de apresentar uma peça de teatro para ampliar a interação com os moradores. Mais a frente, entramos em mais uma viela de terra batida que leva a uma trilha. Neste local encontramos uma tubulação que canaliza o esgoto de algumas casas para uma encosta, divisa a trilha, em outro local com camuflagem de lixo e vegetação. Ali, acredito que somente uma equipe especializada para retirar lixo em encostas poderia fazer a limpeza.  

De volta à rua principal, passamos direto em direção ao largo da Igrejinha, onde encontramos mais uma caçamba – PEV de lixo doméstico e seguimos para conferir o local, na estrada da Garganta, onde os agentes de zoonoses estão fazendo um trabalho continuo para eliminação de roedores (camundongos e ratazanas). O local é uma encosta cheia de buracos, com erosão aparente, algumas casas em área escancarada de risco e fronteiriço à estrada da Garganta, onde na calçada encontra-se mais uma caçamba (PEV de lixo doméstico). Ficam as perguntas: como gerir uma situação dessas? Quais as soluções práticas e viáveis em longo prazo? Quais os envolvidos?       




Sem respostas, seguimos no caminho de volta a Grota, não pela mesma rua, com a intenção de descer até o ponto final do ônibus 32 e seguir pela Rua Albino Pereira. Depois de passar por algumas vielas chegamos a um local, na verdade um mirante, com uma vista panorâmica do vale da Grota, o bairro de São Francisco, a enseada de Jurujuba, da Baía de Guanabara e ainda, bem ao fundo, do Forte de Copacabana. Um privilégio de vista, impossível não parar e admirar.


Continuando a descida, já em uma viela com escadas e calçada de concreto observamos as tubulações de esgoto de algumas casas ligadas a uma rede de esgoto que passa por debaixo da calçada e vamos descendo acompanhando as ligações através dos tampões (rede de esgoto) para tentar descobrir onde terminaria.

Enfim, chegamos ao largo do ponto final da linha 32, inicio da rua Albino Pereira, onde encontramos outra caçamba (PEV do Lixo doméstico), esta ao lado do canal de São Francisco. A curiosidade continuou quanto ao fim da suposta rede de esgoto e o que parece é que acabam no canal de São Francisco, assim como várias outros canos que saem direto das casas vizinhas ao canal com suas águas cinzas e negras in natura  direto para o canal de São Francisco.




O que observamos é que nas paredes do próprio canal segue uma tubulação paralela levando água tratada para as casas. Claro que fica a pergunta: não seria possível uma outra tubulação para escoar essa mesma água depois de usada (ou seja, os esgotos das casas) e encaminha-la à rede de esgoto do bairro de São Francisco para ser tratada na Estação de Tratamento de Esgotos de Icaraí?  Quais seriam as dificuldades e entraves?




Claro, não podia deixar de fechar esse relato sem enfatizar o óbvio, que o desleixo ao longo do tempo na ocupação, gestão de resíduos e saneamento a montante de um corpo hídrico urbano, neste caso do antigo rio Santo Antônio que foi reificado na década de 1930 e transformado no canal de São Francisco, gera consequências a jusante como a poluição das águas no Saco de São Francisco, bem como lixo na própria praia de São Francisco após chuvas torrenciais. O que diretamente afeta o ambiente marinho, sem falar na desvalorização do terreno e perdas econômicas com o turismo e qualidade de vida, sem o lazer gratuito e democrático que uma praia, com águas tranquilas e limpa pode proporcionar.


Contribuição:
Vinícius P. Palermo
Equipe Instituto Ambiente em Movimento 
Filipe Machado; Jay Marinus; Lucas Sielski
Clarissa Pimentel

Colaboração especial: Luiz A. Santos Filho (Guia)

Julho de 2013
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